Marco Nascimento é o nosso entrevistado do mês de março. Marcão, como é conhecido por seus colegas, atua há mais de uma década como hidrólogo no setor privado e atualmente é gestor das áreas de Recursos Hídricos e Ciência Geoespacial na Tetra Tech América do Sul.
Graduado em Engenharia Civil, ele possui também especialização em Geotecnia, MBA em Gestão de Pessoas e está concluindo o Mestrado em Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Como você acredita que a integração de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e a Internet das Coisas (IoT), pode otimizar os projetos de gestão de recursos hídricos, considerando desafios atuais como a escassez e a qualidade da água?
A utilização de sensores aliada ao crescente volume de dados monitorados têm revolucionado o mundo, com impacto significativo nas geociências. A popularização da Internet das Coisas (IoT) potencializou a quantidade de dados, demandando análises e compreensões detalhadas por parte dos especialistas. No campo dos recursos hídricos, as medições que, anteriormente eram realizadas manualmente e de forma diária, agora podem ser feitas automaticamente a cada dois minutos, por exemplo, por meio de telemetria.
Por outro lado, acreditava-se que a dificuldade em compreender e modelar fenômenos hidrológicos residia na escassez de dados. Contudo, o advento da inteligência artificial tem demonstrado que os dados monitorados possuem mais informações do que os hidrólogos conseguiram interpretar nos últimos cinquenta anos.
A integração entre diferentes tecnologias recentes elevou o conhecimento humano a novos patamares. Nas geociências, vários fenômenos estão sendo compreendidos de maneira mais aprofundada. A tendência é que fenômenos extremos hidrológicos, como cheias e estiagens, sejam preditos com melhor precisão. Vivemos na era dos modelos orientados a dados, tornando-se essencial agora extrair conhecimento desses e aprimorar nossa compreensão física sobre a hidrologia.
Como as mudanças climáticas podem influenciar na avaliação de segurança de barragens frente a cheias?
Uma base extensa e confiável de dados monitorados, associada a projeções meteorológicas e climáticas atualizadas, é essencial para avaliar os riscos associados a cheias extremas. Compreender como as condições climáticas estão mudando permite que engenheiros e gestores de barragens projetem estruturas que sejam resilientes às condições futuras. Por exemplo, tem-se discutido a provável não estacionariedade das séries de precipitação, a qual pode indicar que os padrões históricos de chuvas não são um guia confiável para o futuro devido às mudanças climáticas. A premissa, portanto, de que as variáveis climáticas não se mantêm constantes ou previsíveis ao longo do tempo, desafia as suposições tradicionais usadas no projeto e gestão de barragens.
Diante desse cenário, e com o advento de tecnologias avançadas para monitoramento em tempo real de variáveis hidrológicas importantes, a implementação de modelagens preditivas que se valem de tais informações parece ser um bom caminho para que tenhamos uma rápida resposta a condições extraordinárias e na implementação de medidas de segurança adaptativas. Além disso, práticas de engenharia que incorporam margens de segurança adicionais e consideram cenários climáticos futuros podem ser fundamentais para garantir que as barragens permaneçam seguras ao longo de sua vida útil.
Como os estudos complementares realizados pela Tetra Tech para os projetos conceituais de pilhas de estéril e rejeito consideram os aspectos de gestão de recursos hídricos, especialmente em relação ao controle de erosão, prevenção da contaminação do lençol freático e minimização dos impactos sobre os corpos d’água locais?
A Tetra Tech possui ampla e comprovada experiência em estudos desta natureza. Nosso objetivo é sempre assegurar a adequada gestão, condução e descarte dos efluentes gerados em áreas antropizadas, respeitando rigorosamente as normativas técnicas e as melhores práticas de engenharia.
Na concepção das estruturas de drenagem superficial, consideramos fundamental, além dos aspectos hidrológicos e hidráulicos, incorporar as condicionantes estruturais, geométricas, geológicas e geotécnicas, tanto na seleção dos materiais de revestimento, quanto na definição da estratégia de drenagem. Um dos motivos se deve ao fato de que a implantação dessas estruturas geralmente requer significativa movimentação de terra, por meio de escavações, aterros e reaterros, tornando essencial o conhecimento sobre as propriedades do solo e, claro, o conhecimento também dos materiais de revestimento dos canais, os quais devem suportar o escoamento sem prejuízo para a performance hidráulica do sistema.
Para as estruturas de contenção de sedimentos, a determinação da taxa de geração de sedimentos é fator importante. Além das referências bibliográficas, buscamos realizar estudos mais aprofundados com a aplicação de ensaios em amostras do material da pilha, seja estéril ou rejeito, que oferecem insights valiosos para a determinação, por exemplo, do tempo de residência das partículas sólidas. É importante salientar que o controle de sedimentos não deve se restringir apenas às estruturas de contenção. Medidas operacionais, como a revegetação das áreas expostas, em concordância à evolução da pilha, minimizando a área e o tempo de exposição, podem reduzir significativamente a geração de sedimentos e processos erosivos. Caso o efluente em questão tenha potencial de contaminação do lençol freático, cuidados adicionais devem ser tomados, ao exemplo da impermeabilização de reservatórios, da implementação do conceito de “volume pulmão” e da incorporação sistemas de detecção de vazamentos e bombeamento, com o direcionamento das vazões bombeadas para a planta ou para um sistema de tratamento de efluentes.
Por fim, entendemos ser crucial avaliar o contexto em que o sistema se insere, seja de drenagem superficial ou de contenção de sedimentos. Isso inclui definir os critérios, premissas e métodos de projeto antes de prosseguir com os cálculos. Esses, dentre outros cuidados, são de grande importância para o controle de erosão, prevenção da contaminação do lençol freático e minimização dos impactos sobre os corpos d’água locais.
Como você e a sua equipe garantem que os projetos de Recursos Hídricos estão sendo realizados de forma responsável e com o menor impacto ambiental possível?
A equipe de Recursos Hídricos acompanha e prioriza novas tecnologias e práticas sustentáveis em seus projetos, buscando uma conciliação harmônica das soluções com o meio ambiente, sempre que possível. Utilizando materiais de fácil integração, nossas propostas minimizam os impactos ambientais das intervenções realizadas, garantindo segurança e atendimento às necessidades humanas, ao mesmo tempo em que preservam o ambiente para as futuras gerações.
A conclusão do seu Mestrado em Recursos Hídricos está prevista para os próximos meses. Como sua jornada acadêmica está moldando a sua visão pessoal sobre a importância da conservação dos recursos hídricos e como você pretende contribuir para um impacto positivo nessa área ao longo de sua carreira?
Minha jornada acadêmica no mestrado tem sido extremamente enriquecedora. Por meio dela, desenvolvi uma compreensão mais profunda sobre os desafios na gestão dos recursos hídricos, enfatizando a importância de sua conservação para a sustentabilidade da vida e do meio ambiente. Esta experiência consolidou minha crença na importância de tratar a água não só como um recurso essencial e limitado, mas também como um bem que exige uma gestão cuidadosa e um uso parcimonioso.
Minha contribuição para um impacto positivo na área de recursos hídricos passa por estratégias que promovam o reuso eficiente da água, reduzindo a dependência de novas fontes. Para isso, meu objetivo é desenvolver e implementar tecnologias inovadoras que facilitem esse processo. Além disso, busco trabalhar em prol de uma gestão integrada, incentivando a colaboração entre diversos stakeholders, para superar fronteiras geográficas e setoriais. Para completar essa abordagem, pretendo explorar e aplicar soluções baseadas na natureza, como a recuperação de áreas impermeabilizadas e a recarga subsuperficial, que geram benefícios significativos para o meio ambiente, a economia e a sociedade.