Moysés Tessler é o nosso entrevistado deste mês. Professor, como é conhecido por centenas de seus alunos, participou da implantação do curso de bacharelado em Oceanografia da USP em 2002.  Hoje, aposentado da Universidade de São Paulo é consultor há mais de 1 década na Tetra Tech América do Sul nas áreas de Oceanografia Geológica e Geologia Costeira e Marinha. 

Nesses quase 50 anos atuando no mercado de Oceanografia e Engenharia Costeira, qual foi o maior desafio que você enfrentou? E qual o aprendizado que você levou dessa situação?

Posso abordar essa questão sob dois aspectos complementares. Do ponto de vista acadêmico, com certeza o maior desafio, e aprendizado, foi entender que os ambientes costeiros se constituem em um local onde os processos dinâmicos da atmosfera, do meio marinho e os processos geológicos dos continentes interagem. Esse cenário, propicia a existência de um sistema com características geomorfológicas, e dinâmicas, distintos de qualquer outro compartimento da superfície do planeta.  

Profissionalmente, atuando como geólogo no mercado de engenharia costeira o melhor desafio foi o de participar de uma equipe de profissionais responsáveis pelo projeto de um novo terminal portuário, na área do porto de Santos em todas as fases de desenvolvimento do projeto. Para um jovem profissional, poder participar de um projeto desde a sua concepção na fase de estudos de viabilidade técnica e ambiental até a elaboração do projeto executivo de engenharia portuária, serviu de aprendizado da relevância de todas as decisões técnicas em todas as fases de desenvolvimento do projeto. 

Atualmente no Brasil, como você percebe a aplicação do conceito construindo com a natureza (Nature-Based Solutions – NBS)? E como podemos aplicá-lo aos nossos clientes?

O conceito de construindo com a natureza não corresponde a uma postura completamente inovadora na solução de questões relacionadas aos ambientes costeiros. Particularmente, no que se refere as questões relacionadas aos processos erosivos das linhas de costa, muitas das soluções adotadas ao longo do tempo, se baseiam em soluções de engenharia observadas de situações naturais. Atualmente, soluções muito intervenientes no ambiente costeiro como a adoção de muros rígidos, pedras, solução para contenção dos fenômenos de praias em erosão, vem dando espaço para projetos de recuperação menos agressivos, e mais incorporados ao visual do ambiente costeiro.

O conceito que atualmente é utilizado como balizador dos projetos de engenharia no ambiente costeiro, incorpora que a faixa de transição continente/oceano é um sistema em equilíbrio dinâmico (Living Shorelines). E, que qualquer intervenção nesta dinâmica vai induzir a busca de um novo equilíbrio, que se não for adequadamente compreendida pode resultar na intensificação dos processos que se desejam equacionar.

Atualmente, precisamos encontrar para nossos clientes soluções de engenharia que integrem a melhor solução técnica, com a preservação dos atributos ambientais e paisagísticos para potencializar todas as formas de aproveitamento destes espaços.

A sedimentação em áreas costeiras e oceânicas é uma preocupação histórica para os governos e empresas privadas. Como você avalia o avanço das metodologias e tecnologias na resolução desse problema? E de que forma a Tetra Tech atua nesse mercado?

As questões relacionadas aos processos deposicionais (sedimentação) em áreas costeiras e oceânicas, vem se constituindo em uma preocupação crescente desde o início da era das grandes navegações. O incremento do comércio internacional a partir do século XX, e a importância do transporte marítimo neste contexto, tem exigido não apenas embarcações de maiores capacidades e calados, mas ambientes portuários que possam se adequar a estas novas realidades.

O desenvolvimento de tecnologias e equipamentos mais modernos e eficientes nos processos de aprofundamento e manutenção de canais portuários, vem proporcionando o aproveitamento de áreas costeiras que naturalmente não correspondiam aos atracadouros naturais que permitissem a atividade portuária.

A Tetra Tech vem se preocupando de não apenas incorporar os avanços tecnológicos no desenvolvimento de áreas portuárias, mas adequar estes avanços aos conceitos de aproveitamento sustentável, considerando como conceitos associados, os ganhos de escala com a preservação ambiental.

De que forma podemos conciliar o progresso imobiliário e a proteção e recuperação de praias? Na Tetra Tech, qual foi o projeto mais emblemático nessa área que você atuou?

Aplicando aos modernos conceitos de Living Shorelines a adoção de tecnologias menos impactantes, e mais adequadas ao aproveitamento social e econômico das praias degradadas, seja pela utilização desordenada de seus espaços ou pelas ações de recuperação das suas funções de proteção das áreas costeiras ocupadas pelas atividades humanas.

Um projeto emblemático desenvolvido pela empresa já considerando os conceitos e pressupostos de Living Shorelines, corresponderam aos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) para recuperação da praia de Ponta Negra, na cidade de Natal no Rio Grande do Norte. Este estudo estabeleceu princípios e critérios técnicos muito inovadores como diretrizes para um projeto executivo de recuperação da praia, pelo engordamento com areias buscadas na plataforma continental da região.

Na sua opinião, qual é o principal diferencial da Tetra Tech nos projetos de portos, hidrovias e costas?

A preocupação constante em associar a adoção da melhor solução tecnológica, as necessidades dos clientes, considerando os critérios de custo/benefício e responsabilidade social.

Você recebeu a medalha de participação na Primeira Expedição Antártica, 1982/1983. Conte-nos um pouco como foi participar desse projeto e qual a importância dele para o Brasil.

No início da década de 80, o Tratado Antártico que previa a preservação do continente antártico como bem comum da humanidade, sem divisão territorial entre nações por direitos históricos de ocupação transitória, ou por proximidade geográfica, foi questionado por alguns países com interesses territorialistas.

O Brasil não fazia parte do tratado, e a partir da demonstração de interesse em aderir, e cumprindo parte dos critérios de adoção e agregando a comunidade científica internacional para estudos do continente, foi aceito como membro do acordo. Nosso país aderiu ao tratado reforçando a posição do conjunto de nações que consideram a região antártica como bem comum, livre de ocupação civil ou militar, ou mesmo de delimitação de fronteiras territoriais.

Para um jovem professor de oceanografia ter oportunidade de participar de uma expedição oceanográfica a um ambiente muito peculiar, representou não apenas a satisfação de fazer parte de um momento singular, mas, principalmente, de ampliar sua compreensão do significado do conceito oceanografia.